Alimentando a liberdade: um olhar sobre o ensino gastronômico no sistema penitenciário brasileiro

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Alimentando a liberdade: um olhar sobre o ensino gastronômico no sistema penitenciário brasileiro

A cozinha como sacrário, a mesa como partilha, o alimento como esperança. Mulheres com o desejo de ir além… E vontade de cultivar um dia-a-dia mais libertador. Tudo isso poderia parecer simples poesia, mas o fato é que estou falando de um trabalho que realizamos dentro do Presídio Regional de Araranguá, SC. Ministrei para 20 cárceres o Curso Profissionalizante de Auxiliar de Cozinha durante o segundo semestre de 2014. E assim, no dia 18 de dezembro de 2014, este trabalho transbordou as celas e, como caso inédito, realizamos a formatura fora do Presídio, com direito a coquetel executado pelas próprias formandas. Estavam presentes convidados da sociedade civil, incluindo dois familiares de cada formanda.

Considerando a ressocialização necessária e a educação como um direito de todos, é que surge, ainda em minoria considerável, processos educativos das mais variadas formas junto ao sistema prisional. Na maioria das vezes, essas iniciativas utilizam-se do novo paradigma da educação colocando a arte como eixo transversal de todo o processo.

Como educar e educar-se na contemporaneidade? Como a gastronomia pode contribuir para a formação do indivíduo? É possível o reconhecimento da identidade pessoal, social e cultural através da prática culinária? O que abrange o ato preparar o alimento e sua degustação? Que fome se quer matar?

O terreno é fértil para ir muito além. Visto que a ação isolada de privar o indivíduo da sua liberdade, por si só, não favorece seu retorno a sociedade, considera-se que a educação e o ensino são fundamentais para que o detento tenha a possibilidade de afastar-se da marginalidade, se apropriando do conhecimento e do estudo que geralmente, nesses casos, foi abandonado.  Foi em 1950 que o sistema penitenciário brasileiro adotou a educação como ferramenta de ressocialização, levando o estudo ao cárcere. O trabalho, o ensino básico e religioso, cursos profissionalizantes são usados para tirar o detento do analfabetismo social, cultural e humano, com o intuito de diminuir a reincidência dos detentos após cumprimento da pena.

O conhecimento gastronômico vem ampliando-se gradativamente no Brasil. Torna-se uma forma de ensino através da comida, da cozinha e da elaboração/execução de receitas. Envolve a sociedade no simples ato de preparar e compartilhar o alimento. Cursos profissionalizantes e formações vinculadas à gastronomia estão cada vez mais presentes nas prisões nacionais e internacionais. A cozinha torna-se um espaço de condução do educando ao conhecimento através da história do alimento e suas receitas.

O que revela o ato de preparação e degustação do alimento? O que pode significar ter a gastronomia como eixo transversal de um processo pedagógico dentro de um presídio? Qual o pode ser o impacto deste trabalho nas vidas dos participantes, bem como no presídio como um todo? Es

Este vídeo relata a celebração de todo esse processo: a formatura. É fato que o processo interno de uma cozinha possui vasto campo para vivências sócio-educativas. Este processo gastronômico pode transbordar para além de uma execução culinária, abrir espaço para o ensino e aprendizado coletivo, para o reconhecimento sobre a prática e cultura de um indivíduo, família e comunidade. Os valores culturais e individuais foram postos e misturados dentro da panela, e o calor potencializou sua transformação. Fez-se a possibilidade de início de um diálogo sadio entre o mundo de dentro das prisões com o mundo de fora, e vice-versa.

Nesta situação carcerária, temperar com histórias de vida e transformar o cotidiano através da comida ganharam destaque. Fazer tudo isso dentro de um presídio é como colocar fermento na ousadia! Neste atual contexto, sacrário, partilha, esperança e liberdade, deixam de ser utopia e (re)nascem dentro dessas tantas Marias. 

 

Fabiano Roldão
Fabiano Roldão
Com formação em Hotelaria e Turismo, Chef e estudioso da gastronomia como um processo para o desenvolvimento humano, Fabiano tem seu trajeto é marcado pelo desafio de transformar a cozinha num espaço artístico e pedagógico, cultural e humano, onde histórias pessoais são afirmadas através da feitura e degustação de um prato. “A cozinha é um terreno fértil para o processo de desenvolvimento humano. Devemos refletir sobre como a cultura alimentar, os padrões regionais e as misturas das receitas de origens familiares com a alta gastronomia chegam para ampliar a consciência de nossa atual relação com o alimento e como isto pode interferir na educação e no comportamento humano.” Saiba mais sobre Fabiano
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