Um dos grandes sofrimentos da vida é não aceitar o que está acontecendo, não querer estar presente numa situação onde nos sentimos perdidos ou fracassados. Muitas vezes isso acontece porque não aceitamos ou nem sabemos quem somos. Não reconhecemos nossas potencialidades ou nossas fraquezas e isso nos torna muito vulneráveis.
Vivemos em guerra com a nossa essência. Temos receio de não sermos amados do jeito que somos, vivemos atrás de uma busca de perfeição ditada por regras externas, até que chega uma hora que não nos reconhecemos mais.
Esta desconexão com a nossa “luz” dói demais. Nos sentimos perdidos, patinando na vida. Começamos a ter resultados ruins, a ansiedade pelo futuro aumenta e parece que não temos outra alternativa além de nos sentirmos muito mal conosco mesmo e sem forças para continuar. Parecemos soldados que não aguentam mais tanta violência autoimposta. Nos percebemos como um brinquedo quebrado que só serve para ser descartado.
Mas o que a maioria de nós não compreende é que toda esta história que contamos não é nossa. É da nossa mente grosseira, do nosso ego que construiu muros de defesa e separação ao invés de construir pontes de amor e confiança. Nosso sistema mental é feito para detectar ameaças e nos defender delas, buscando a sobrevivência. O problema é que existe uma grande influência do meio ambiente, das informações que vem de fora e que tomamos como verdade. Muitas das ameaças só existem na nossa mente, mas ao acreditarmos nelas, estas se tornam realidade. Viram a nossa matrix. Somos parte atuante dela porque cremos piamente em tudo o que nela está inserido.
No fundo, tudo isso acontece porque escolhemos acreditar no que nos foi dito. É mais fácil. Precisamos da aprovação do outro para nos amar. Então, perseguimos um modelo de perfeição que enquadra o ser humano numa pintura de natureza morta, enquanto a nossa natureza está mais para o surreal, o abstrato, o imprevisível. Corremos atrás da família Doriana quando somos tão plurais.
Se somos a imagem e semelhança de Deus e ele é a criação, como nos manifestarmos sem um pouco de beleza e um pouco de caos. O que seria da nossa música, artes, literatura sem a sensibilidade dos que captam o sofrimento humano do qual tanto fugimos, e que das suas águas lamacentas muitas vezes faz surgir o verdadeiro amor.
Sabemos das coisas que não gostamos, como envelhecer, ficar doente, sem dinheiro, poder, prestígio e tantas outras coisas, mas parece impossível aceitar a condição humana de altos e baixos. Emocionalmente, aceitar as nossas imperfeições parece impossível. Quando estamos vivendo a nossa dor achamos que ninguém mais passa por isso. Somos egocêntricos até nesta hora e, assim, descolamos da nossa humanidade e sofremos mais.
Aprendemos a ignorar as nossas vulnerabilidades, fingir que elas não existem, enterrar os nossos medos como se isso fosse sinal de força. Não sabemos mais pedir ajuda porque temos medo de demonstrar fraqueza. Não acreditamos mais que merecemos o amor do outro porque, há muito, esquecemos como nos amar… e assim, parece que só nos resta a raiva, a frustração, a destruição. Não temos mais força. Ela foi gasta sustentando ser o que não somos. Entramos em colapso emocional por ignorar a nossa própria dor.
Mas isso não é verdade. Este lapso de memória não é permanente. É só uma fase para aprendermos como precisamos uns dos outros, que somos interdependentes, e que a natureza humana é bela porque ela consegue se reerguer mais forte e mais potente a cada etapa.
Somos dotados, sim, de inteligência e somos capazes de aprender com os nossos erros. Precisamos apenas ter coragem de enxergá-los, aceitá-los e compreender que estes não nos definem. São apenas experiências que escolhemos viver como caminho da nossa evolução. Não devemos usar a dor que sentimos como uma armadura pesada para nos acovardarmos, para deixarmos de sonhar, criar e construir a vida e o mundo que queremos ter.
Não somos brinquedos quebrados. Somos apenas infantis e egoístas. Deixamos de ser infantis quando aceitamos que a vida sempre terá bons e maus momentos e que nenhum destes nos definem, que tudo passa, tudo é impermanente e que nunca estamos sozinhos, seja na dor, seja na alegria.
Aceitemos a nossa humanidade, façamos as pazes com as nossas dicotomias. Sejamos divinos e ordinários, luz e escuridão, céu e terra, espírito e matéria, amor e medo, alegria e tristeza. Vida.
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Este texto faz parte da Rota: Fruta Madura é mais doce. Uma seleção de conteúdos que trazem a doçura da fruta madura para esta fase da vida, a Maturidade. Clique abaixo para conferir.
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