“No princípio dos tempos o espírito da terra dirigiu-se ao espírito do céu e implorando-lhe disse: eu sei como falar ao espírito do homem, mas peço que me concedas a linguagem pelo qual o espírito do céu fala ao coração do homem. Cheio de bondade, o espírito do céu perante o espírito da terra suplicante, concedeu-lhe a ARTE.”
Rudolf Steiner
Já há muito que eu penso a biografia humana como uma forma de expressão artística e por isto, ao me formar psicóloga, quis pesquisar o que é Arte e o que pensadores, psicólogos e artistas dizem sobre a arte.
Foi extremamente gratificante perceber o quanto a arte é considerada mobilizadora, revolucionária e resistente.
Desde que entrei em contato com a visão Deleuziana*, na qual a arte é um ato de resistência, pois ela fica para as gerações futuras, sobrevive ao seu criador eternizando-o, uma vez que cada criação é única, pensar em fazer da própria biografia uma obra de arte se revela muito mais significativo, pois, desta forma, nos tornamos, em vida, a expressão de nossa própria essência e de nosso desenvolvimento na busca de fazermos esta essência se expressar e evoluir cada vez mais.
Assim nossos atos, resultado da expressão biográfica individual, podem ser contemplados e se tornam potentes mobilizadores gerando nos outros a vontade de se tornarem artista da própria existência também.
Espero que este pequeno texto nos inspire a buscarmos uma forma cada vez mais artística de vivermos nossas biografias.
“A biografia é uma sinfonia que o próprio homem compõe”
Bernard Lievegoed
A arte é, desde sempre, algo que se constitui no âmbito do humano: pelo homem e para o homem. Ou, podemos dizer, pelo homem e para a arte, pois a arte é por si só, ela se justifica em si própria, não necessita explicação.
Na relação do homem com a arte, podemos ver as mais diversas expressões: a expressão do artista criador, a expressão do espectador que contempla, a expressão do crítico que pretende entender e explicar e, se quisermos, podemos continuar a buscar as mais diversas formas e contextos relacionais do homem com a arte.
Três destas formas nos interrogam: a do homem que cria, a do homem que contempla e, talvez a mais intrigante, a do homem que faz de si próprio, de sua própria vida, uma obra de arte.
Algumas das perguntas que subjazem, que estão presentes nestas expressões e que nos impelem a estas considerações e investigações são: qual a relação da arte com a psicologia? O que faz com que o homem, através da criação, da contemplação e do viver como obra de arte transforme a si próprio? Quais processos existem e relacionam a psique com a arte a ponto de a arte ser, entre muitas outras coisas, um elemento curador, sanante e, também, patologizante? Onde ou como a arte atua na psique humana. E esta atuação se dá em quais âmbitos: no pensar, no sentir, no agir, nos três, em outro?
É conhecida a arte utilizada como processo terapêutico, seja de forma criativa e transformadora, seja de forma ocupacional, mas, em sua expressão mais pura, a arte em si é terapêutica. Não é necessário ser paciente de arte-terapia para que os efeitos de fazer arte, de criar, sejam sentidos.
Um artista de profissão ou de hobby pode atestar o efeito do processo artístico em si próprio, e mesmo quem não tem nenhum dote, quem não se considera capaz, percebe o quanto é mobilizador fazer arte: a começar pela sensação de prazer ou desprazer, agrado ou desagrado, entrega ou rejeição.
Também a contemplação artística que, à primeira vista parece um processo passivo, tem efeitos ativos. Como, por exemplo, ao contemplar uma bela obra de Michelangelo, Da Vinci, Van Gogh, Rodin, Camille Claudel, Monet, assistir a um espetáculo de dança, ouvir Maria Callas ou uma obra de Beethoven, Mozart, uma pessoa pode passar do riso às lágrimas, de uma apatia a uma resolução, passar pela dor, pela compaixão, pela veneração. A arte parece ativar processos e isto se dá na relação homem-arte.
E a experiência de transformar a própria vida em uma obra de arte, como podemos entender arte neste contexto?
O que me surpreende, em nossa sociedade, é que a arte se relacione apenas com objetos e não com indivíduos ou a vida; e que também seja um domínio especializado, um domínio de peritos, que são os artistas. Mas a vida de todo indivíduo não poderia ser uma obra de arte? Por que uma mesa ou uma casa são objetos de arte, mas nossas vidas não?
Foucault
Partindo desta visão podemos perceber que o homem, em si, pode ser ao mesmo tempo, matéria, artista e espectador/contemplador ativo. Em outras palavras, o homem pode contemplar-se, recriar-se a partir desta contemplação, sendo continuamente criador e criatura, sempre em processo, sempre em elaboração.
Fazer da vida uma obra de arte onde as ações, o pensar e o sentir individuais possuem um sentido, uma auto-criação, auto-transformação e transcendência constantes que se refletem no ambiente e no social nos parece agora, diante de tantas reflexões, difícil, pois requer observação atenta, experimentação, repetição, mas não impossível.
Também se torna mais patente a responsabilidade que Foucault, Nietzsche, Schiller, Goethe, Deleuze e Steiner nos legam, de transformarmos a nós próprios e assim sermos agentes de transformação do mundo. A vida, a partir destas visões, torna-se um ato resistente, um ato que transcende a morte e se eterniza nas ações praticadas que transformam a realidade do sujeito artista de si próprio, ficando assim, legadas às futuras gerações, a um povo que ainda não existe, transformando também, desta forma, o mundo.
E aqui cabe uma interrogação: não foram todos estes grandes pensadores, artistas de sua própria existência? Não são suas vidas as obras que nos foram legadas, que contemplamos ao estudar seus pensamentos? O gênio intenso e também a ordem – Deus e as Necessidades – estão presentes em suas vidas, e isto pode ser constatado através do estudo de seu legado.
* GILLES DELEUZE nasceu em Paris e ali passou a maior parte de sua vida. Reputado como um dos Filósofos mais importantes da Contemporaneidade dedicou seus esforços para esclarecer as noções superiores da Filosofia, que é, segundo ele, um Processo contínuo de “Criação de Conceitos (ie, do significado de uma palavra, de uma frase.)” e não só uma tentativa de descobrir e de refletir a “Verdade do Mundo e da Vida”.
Para ler este artigo da Alexandra na íntegra, é só clicar aqui
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