“A vida toda bateu no rochedo, o mar.
Alguém pode dizer “que horror”,
outro pode pensar “que paixão”.
E se bem que no passar dos dias ninguém perceba
nada, diminui o rochedo e aumenta a areia.
Quanto ao mar, esse continua batendo.”
Qual o sentido disso? Nenhum, exceto que eu paro para pensar nisso e me emocionar. Me emociona toda persistência e toda a resistência que a cena tem. E a espuma. Volátil, efêmera, perfeita no voo estraçalhado que percorre. E o som, repetindo e repetindo o vai e volta sem fim. Mas também o silêncio que preenche os espaços entre uma coisa e outra. Tal como o amor.
O amor é o silêncio entre uma onda e outra a quebrar na rocha. O amor é o momento que não tem movimento. Que não tem pensamento. Que não tem. O amor não tem. Quem pensa que tem amor, só pensou. Amar é não pensar. É um deixar-se ser. Quando o meu deixar-me ser encontra com o seu deixar-se ser, o amor nos tocou.
Hoje sei perfeitamente que ele é um fio estendido sobre um precipício pelo qual tento andar. Precisa de equilíbrio. Não o equilíbrio do sóbrio, mas do ébrio, isso sim. Um andar sem olhar para o perigo, sem encarar a possibilidade do não. Precisa querer mais chegar ao outro lado do que ter medo do fim embaixo.
É por isso que o desejo serve ao amor. Se não houver desejo, a construção do amor é apenas um projeto burocrático. Cheio de assinaturas e identidades e pouco significado. O desejo faz de cada onda a energia necessária para manter-se sólido. Ou parecido com isso. A ilusão também serve ao amor. Para que ele possa amanhecer todo dia em festa, com o assombro do sobrevivente.
Se, no entanto, você tentar aprisionar o gesto, se ousar querer entender o olhar, um leve quase imperceptível levantar do canto dos lábios, então, você estará prestes a perder o amor. Ele escorrerá do peito até o dedo anelar gota a gota até secar. E restará apenas saudade ao final de tudo. Ou, se nem isso puder restar, no final de tudo você nem se lembrará do que ficou para trás, do que perdeu.
Amar é ritmo, não é o que. É a luz que projeta sombras na parede, não importa se você só veja terror ou diversão, se tremula, esconde ou envolve. É uma luz intocável. Que cega. Cala. Despe. Abraça. E só assim pode enfim penetrar delicadamente a pele. Não dá para queimar etapas.
Sim. E o amor não ensina nada. Não queira aprender com o amor. O amor é. No tempo e no espaço. É. Não conjuga pessoa, nem nada. Por isso, não espere amar para ser amado, não espere nenhuma condição especial para fazer amor. Amar é o mais intransitivo dos verbos. E ele pode existir independente de sua declaração. Mas, por favor, não deixe de declarar.
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