Claro, a Primavera impressiona a todos. Mas a mim, além disso, ela me dá um puxão de orelha com toda sua beleza. E, cá entre nós, é muito bom aprender com a beleza! A Primavera, além de tudo, perfuma o mundo e traz um encanto até para os mais desavisados.
O bairro onde moro atualmente é abraçado pela mata. E por essa ótica é possível reconhecer as épocas e estações, além de ser afetado diretamente com cada tempo. As árvores vão florescendo ou mudando de cor, anunciando o que está por vir. Tem o tempo da mata roxa que anuncia a Páscoa, a mata alaranjada que sinaliza o calor, a mata amarela saudando a Primavera, a mata de um verde musgo que o inverno tem, a mata bem verdinha agradecendo as chuvas.
A pé, pelas ruas, percebo os ipês, e a eles quero aqui dar destaque. Antes da chegada da Primavera, estavam discretos, chamavam-me a atenção pela sua secura e, de certa maneira, despertavam minha piedade. Porém, agora, se mostram exuberantes como nunca. Árvores que um dia “não tem nada”, no outro é um escândalo tamanha a sua presente beleza. Esse é um fato que me coloca “a pulga atrás da orelha”. No caso do ipê, fica difícil não perceber sua presença. Contudo, inquieta-me a possibilidade de que isso aconteça com mais discrição em outros casos e eu não seja capaz de o perceber.
A beleza se mostra ou se enxerga ou se exercita? Em outras palavras, o belo habita o fato em si ou os olhos de quem o vê? Ou será ainda que ele vive entre essas duas coisas? Sinceramente, não sei a resposta, mas tenho me proposto a exercitar o olhar para enxergar o que de belo há em cada coisa ou pessoa. Sim, concordo que em determinadas situações esse é um exercício bem desafiante. Ao mesmo tempo, parece-me que quanto mais me proponho a isso, mais a beleza também vem em minha direção.
Não, não me chamo Poliana. Meu nome é Lúcia. E há quem diga que vem de luz. E, sendo assim, sobre luz, sobre ser luz, uma vez uma amiga me deu uma imagem de presente, dessas de que a gente não esquece, que desde então eu carrego comigo e tento colocar em prática. Compartilho aqui. Quando percebemos a escuridão de alguém ou de uma situação, convém que desliguemos nossos “holofotes” e que acendamos a nossa “vela”. Aqui podemos nos perguntar de imediato: se temos um holofote capaz de iluminar toda a escuridão, porque usaremos apenas uma mísera vela? Quando se está na escuridão e alguém acende um holofote, este só serve para acabar de cegar a todos. Com uma vela podemos ir gradualmente nos acostumando com a luz e deixando que ela se amplie.
Um dia desses estava conversando com meus filhos (seis e oito anos) sobre os ipês. Depois de muito filosofar sobre o florescer e a secura dessas árvores, chegamos à conclusão de que os ipês são árvores que se fingem de mortas. Estão lá, quase que invisíveis aos nossos olhos e, como num encantamento, mostram a que vieram, tornando-se o grande destaque do jardim. Logo em seguida se despedem e deixam seu saudoso tapete na terra. Isso acontece com uma certa rapidez. No tempo da secura, eles me trazem a dúvida se estão vivos ou mortos. E nesse tempo da secura, que é de fato bem maior que o florescer, resta-me conviver com a pulga da qual já falei.
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