Desta vez farei uma reflexão que traz a arte e a vida, bem como o artista e o ser humano, como duas linhas que ora estão em paralelo como coisas distintas, mas ora estão entrelaçadas formando um único tricô. Trata-se de um texto aberto onde você poderá escolher e brincar com essas quatro palavras (arte / vida – artista / ser humano), colocando-as e substituindo-as como bem desejar. E as conclusões, se é que elas irão existir, cada um poderá tirar as suas próprias, sem receitas, nem certo e errado. Portanto, a partir de agora, onde estiver escrito artista lê-se também ser humano – e vice-versa; onde estiver escrito arte, lê-se também vida – e vice versa). Combinado?
Enquanto artista e terapeuta, compartilho de uma arte que seja simples, no sentido de ter como material de trabalho o artista e suas vivências pessoais. Uma arte que não precise de nada além do artista e do público. Arte simples e talvez pobre, diante da imensa gama de ofertas que temos a disposição. Arte onde essa pobreza e simplicidade contribuem cada vez mais para a revelação das riquezas humanas. Riquezas essas que só chegam através de um trabalho intenso, disciplinado e diário sobre as próprias fraquezas e limites pessoais. Uma pesquisa inspirada na seguinte pergunta:
Com isso o conteúdo da obra passa a ser o próprio artista, a sua maneira de se relacionar com o mundo, sua maneira de enxergar, de viver, de agir, de pensar, de sentir esse mundo. Sua maneira única de estar nesse corpo. E não seria, na vida, da mesma forma? Com isso o conteúdo da vida passa a ser o próprio ser humano…
Sem a pretensão de ser perfeito, mas apenas tentando transcender os seus limites, o artista trabalha sobre suas sombras, suas fraquezas. É salutogênico ter consciência de quais são esses temas. Pois só é possível transpassar os limites pessoais quando, antes, nós os conhecemos e os aceitamos. E a maneira como sobrepassamos esses limites é, também, algo pessoal. Cada um deve trabalhar sobre coisas diferentes e, a sua maneira, entender a melhor forma de lidar consigo mesmo, com sua própria individualidade. E isso não deixa de ser uma descoberta!
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Não me refiro apenas às habilidades/limitações corporais, mas também a dificuldades emocionais, de relacionamentos, de percepção do outro, de si mesmo e do mundo. E essa maneira de lidar tem relação com o sentido que damos para as coisas e para as pessoas, para os acontecimentos como um todo. Sentido. Como eu sinto? Qual sentido eu dou para determinado fato? Ambas as perguntas pedem um estado de pesquisa, de prontidão e serenidade para escutar o que há de vir.
E voltando ao tricô das linhas que se entrelaçam, diria que o artista deve ter presente que suas dificuldades e limitações formam seu campo de trabalho e que talvez nunca consiga eliminá-las. Não se trata de “matar seu dragão”, mas sim dominá-lo, aprender a conviver com ele, conhecê-lo. Significa que o artista nunca possuirá uma técnica ‘fechada’, pois a cada grau do seu processo de pesquisa pessoal, a cada modificação, a cada excesso, a cada derrubada de barreiras escondidas, encontrará ele novos “problemas técnicos” num nível mais alto.
E assim é que se faz necessário adentrar no desconhecido para descobrir o novo. É desta maneira que o artista pode trabalhar a pobreza humana, lapidá-la e torná-la – sem pieguismos – sagrada e essencial. E quando isso acontece, inevitavelmente toca aquele que executa bem como quem testemunha todo processo. O artista, que trabalha a partir dessas considerações feitas, vai mostrar nada mais, nada menos, do que o seu olhar sobre o mundo, a sua visão a respeito dos fatos. Vai recriar a realidade através do seu ponto de vista para o mundo que o cerca. Sendo assim, cria-se um momento de autorevelação que revela o mundo.
Numa referência cristã, é cabível ampliar esta reflexão e vinculá-lá a Pentencostes (20 de maio de 2018). Tempo este em que vivemos: cinquenta dias após a Páscoa, ou seja, após a primeira lua cheia do outono para nós do hemisfério sul. Línguas de fogo descem do céu para terra e aqui encontram um corpo como morada. Nasce a individualidade, mas esta não está sozinha. Ao conviver com outras individualidades, formam algo que denominamos de humanidade. E se esse trabalho de lapidação consciente de si mesmo for realizado com disciplina, falamos de algo que, no meio cristão, trata-se de unir-se ao Cristo. Ou seja, buscar, a cada dia, o tesouro que está guardado dentro de si e entregá-lo ao mundo. Nesta percepção, céu e terra vão se unir…
Nosso corpo faz parte do mundo e muito mais que isso, é o próprio mundo! Portanto, pode falar dele, responder por ele. O corpo no mundo se traduz pela forma como ambos se relacionam, como se comunicam, como se transformam ou não. Se estivermos atentos, será possível perceber que todos os acontecimentos diários contribuem para o autoconhecimento, para o autoquestionamento, para a saída da famosa e conhecida zona de conforto.
Depende de nós para que tudo se transforme de algo externo e superficial para algo interno e relevante. Depende de nós para que algo ou alguém se torne um pretexto, um incentivo para o trabalho pessoal. E assim sendo, o corpo do artista é algo que sustenta, segura aquilo que transforma. O próprio corpo como eco, como uma caixa de ressonância. Corpo como reflexo da alma? Talvez. Deixando de ser apenas matéria e tornando-se um canal de comunicação entre o mundo externo e o mundo interno, entre o céu e a terra, entre o eu e o todo.
Aí está o mistério, não só da arte, mas da vida: o corpo em diálogo com o momento presente. E a nossa essência também se encontra aí. Da forma de como eu me relaciono com esse momento, qual é a minha escolha para ele, por fim, como eu escolho viver neste corpo.
Tudo isso pode parecer uma proposta bem abstrata para quem nunca experimentou algo parecido. Mas o fato é que com muita alegria trazemos ao mundo este trabalho itinerante: Observatório de Si – Teu Corpo em diálogo com tua Biografia. (Aos interessados comunico que dia 7 de julho de 2018 estaremos em Belo Horizonte – MG)
Esta pesquisa surge da união de saberes que se potencializam, da vontade de experimentar esses conhecimentos vinculados, somando-se e multiplicando-se a partir de cada um de nós. Alexandra Mettrau e eu (Lúcia Vernet). Biografia e Dramaterapia. O conhecimento em comunhão, a vivência como partilha. Mundo de dentro e mundo de fora expresso/impresso em cada corpo.
Estar no OBSERVATÓRIO DE SI é tornar a subjetividade algo visível, porém efêmero. É impulsionar uma re-conexão com tua vida interior, um re-conhecimento da tua humanidade, das tuas limitações e possibilidades, um estreitamento de vínculo com a tua dignidade. Sendo realizado em grupo, a história do outro coloca luz na tua própria história. Na prática, significa que as perguntas serão experimentadas no corpo. E as respostas, já não serão aquelas velhas conhecidas, mas sim, novas percepções de si mesmo. Experimente! Venha fazer parte dessa roda, nós queremos ouvir o que seu corpo tem a dizer.
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